A Festa do Avante! <br>e o colectivo comunista

Miguel Urbano Rodrigues

Tive a opor­tu­ni­dade de acom­pa­nhar na Eu­ropa e na Amé­rica La­tina festas de Par­tidos Co­mu­nistas.

Não co­nheci Festa como a do Avante!

É di­fe­rente pela con­cepção e pelo ob­jec­tivo, mas so­bre­tudo pela at­mos­fera hu­ma­ni­zada.

Não es­queci a pri­meira Festa, em Al­cân­tara, no Pa­vi­lhão da Feira das In­dús­trias no ano 76 do sé­culo pas­sado.

Foi um grande acon­te­ci­mento po­pular, mas ficou logo trans­pa­rente que aquele es­paço era ina­de­quado. No ano se­guinte a Festa mudou-se para o vale do Jamor, e ad­quiriu um for­mato di­fe­rente, a céu aberto.

Du­rante os seus três dias atraiu mul­ti­dões.

Pela di­mensão e pelo seu sig­ni­fi­cado po­lí­tico, a ini­ci­a­tiva co­meçou a in­co­modar a bur­guesia. A Câ­mara de Lisboa, pro­pri­e­tária dos ter­renos do Jamor, criou tais en­traves à ce­dência do lugar, que a Festa, no seu quarto ano, foi for­çada a mudar-se para as co­linas do Alto da Ajuda, um des­cam­pado de di­fícil acesso na pe­ri­feria da ca­pital.

Mas para de­ses­pero da di­reita o êxito não parou de crescer. O pres­tígio da Festa atra­vessou as fron­teiras e a par­ti­ci­pação de de­zenas de par­tidos co­mu­nistas e ou­tras or­ga­ni­za­ções pro­gres­sistas em stands pró­prios e a sua pre­sença no co­mício de en­cer­ra­mento con­fe­riram pro­jecção in­ter­na­ci­onal ao gran­dioso con­vívio re­vo­lu­ci­o­nário dos co­mu­nistas por­tu­gueses.

A cam­panha que vi­sava o seu apa­ga­mento pros­se­guiu e in­ten­si­ficou-se. A Festa foi es­cor­ra­çada do Alto da Ajuda e trans­fe­rida para Loures, um mu­ni­cípio então co­mu­nista, con­tíguo a Lisboa.

Aí se ins­talou du­rante dois anos. Em trân­sito, porque a di­recção do PCP, ti­rando con­clu­sões da per­se­guição per­ma­nente à sua Festa, tomou a de­cisão de criar para ela uma sede pró­pria.

En­con­trou-a na Quinta da Ata­laia, uma an­tiga ex­plo­ração agrí­cola, si­tuada à beira da Margem Sul do es­tuário do Tejo, um re­canto verde e tran­quilo de se­rena be­leza.

Por­ven­tura mudou a Festa ao ad­quirir um es­ta­tuto se­den­tário desde 1990?

Sim e não.

É a 34.ª. Mais or­ga­ni­zada, sem po­eira, com maior pre­sença da cul­tura-es­pec­tá­culos, mú­sica, canto, dança, te­atro, ci­nema, pin­tura, li­te­ra­tura, ex­po­si­ções, con­fe­rên­cias, de­bates, etc. – con­tinua a ser um acon­te­ci­mento po­lí­tico pro­mo­vido por um Par­tido que se as­sume como mar­xista-le­ni­nista, mo­bi­li­zado para a luta contra o ca­pi­ta­lismo e a cons­trução do so­ci­a­lismo.

A com­po­nente ide­o­ló­gica não im­pede que a Festa re­flicta a imagem da di­ver­si­dade de Por­tugal.

Cada dis­trito no seu es­paço – con­ce­bido e ins­ta­lado pela or­ga­ni­zação re­gi­onal – apre­senta a imagem de Por­tugal na pers­pec­tiva co­mu­nista, desde as lutas re­vo­lu­ci­o­ná­rias da sua gente à pro­dução, à co­zinha e ao ar­te­sa­nato.

Ao abrir as portas, (quase) sempre no pri­meiro fim-de-se­mana de Se­tembro, cada Festa é o des­fecho de 20 000 horas de tra­balho vo­lun­tário de 12 000 mi­li­tantes (e amigos) re­a­li­zado ao longo do ano.

 

A ati­tude co­mu­nista

 

O que falta hoje na Festa? Não é fácil en­con­trar ali au­sên­cias porque além dos stands das re­giões o vi­si­tante des­cobre o Pa­vi­lhão Cen­tral (onde se pode aprender muito sobre a his­tória do Par­tido), uma Ci­dade In­ter­na­ci­onal, os es­paços do Livro, da Ci­ência, das Artes, da Ju­ven­tude e da Cri­ança, os pa­vi­lhões da Mu­lher, da Emi­gração, dos Imi­grantes e ou­tros.

Não há es­ta­tís­ticas sobre o total de pes­soas que cada ano vi­sita a Festa. Mas são muitas cen­tenas de mi­lhares.

A grande parte não é do PCP. O Par­tido tem hoje so­mente 70 000 fi­li­ados.

Mas a Festa gera um fe­nó­meno de os­mose que sur­pre­ende os es­tran­geiros. Ir­radia uma at­mos­fera de fra­ter­ni­dade que não é iden­ti­fi­cável em qual­quer outra, um sen­ti­mento que trans­cende a ale­gria, co­mo­vente.

A ati­tude co­mu­nista está na origem desse con­tágio.

Me­rece re­fe­rência o facto de dois des­ta­cados jor­na­listas, in­te­lec­tuais de di­reita dos mais me­diá­ticos de Por­tugal, Mar­celo Re­belo de Sousa e Mi­guel Es­teves Car­doso, terem de­di­cado ar­tigos al­ta­mente elo­gi­osos a essa at­mos­fera fra­terna da Festa. Não es­pe­ravam en­con­trar «aquilo» e quase la­mentam sentir a ne­ces­si­dade de afirmar que Por­tugal seria me­lhor se o povo to­masse como mo­delo o am­bi­ente da Festa do Avante!

Ali não re­gis­taram ati­tudes agres­sivas, dis­cus­sões azedas, cada um pa­recia amigo do des­co­nhe­cido que lhe di­rigia a pa­lavra.

São os co­mu­nistas por­tu­gueses seres ex­cep­ci­o­nais?

Não. A Festa de­sen­volve-se numa micro at­mos­fera pro­fun­da­mente hu­ma­ni­zada. Uma cri­ação co­mu­nista? Sim. É o grande co­lec­tivo do Par­tido, soma de ho­mens e mu­lheres muito di­fe­rentes, que a torna pos­sível.

Tal como acon­tece nas re­vo­lu­ções em que na­queles que por ela se batem se produz uma as­cese que faz de­sa­bro­char as suas me­lhores po­ten­ci­a­li­dades, na Festa do Avante! ocorre algo si­milar.

Ali emergem as vir­tudes; sub­mergem, de­sam­bi­en­tadas, a hi­po­crisia, a in­veja, a ava­reza, os ins­tintos agres­sivos.

E os não co­mu­nistas são con­ta­gi­ados pela fra­ter­ni­dade, pela so­li­da­ri­e­dade co­mu­nista. Na Quinta da Ata­laia trans­mutam-se du­rante três dias de Se­tembro.

O co­lec­tivo par­ti­dário re­corda o 25 de Abril, vai mais longe, re­en­contra-se na Festa com o sonho co­mu­nista. O Por­tugal de hoje é uma terra de muitos pá­rias e um pu­nhado de mul­ti­mi­li­o­ná­rios, sub­me­tida a uma di­ta­dura do ca­pital e do im­pe­ri­a­lismo.

Mas a es­pe­rança numa so­ci­e­dade hu­ma­ni­zada, me­lhor, per­ma­nece la­tente, viva. Essa es­pe­rança forte, quente, de in­cen­tivo à luta que Álvaro Cu­nhal con­se­guia trans­mitir como nin­guém nos dis­cursos de en­cer­ra­mento da Festa.

Abril pa­recia im­pos­sível e acon­teceu.

O fim do re­fluxo das His­tória pode tardar mas che­gará ine­vi­ta­vel­mente. Os co­mu­nistas por­tu­gueses não temem o fu­turo. Um dia Por­tugal será uma so­ci­e­dade com a at­mos­fera de fra­ter­ni­dade de uma gi­gan­tesca Festa do Avante!



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